Tecnologia a serviço da tradução

Artur Ferraz
7 min readApr 23, 2021

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Dicionários, mesmo os impressos, também são ferramentas tecnológicas
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É visível no dia a dia o quanto a contemporaneidade é marcada pela inovação tecnológica. As telas dos notebooks, tablets e smartphones — isso sem mencionar os assistentes de voz, smartwatches, smart TVs e outros gadgets — nos acompanham o tempo todo, buscando facilitar e agilizar a realização das tarefas mais simples às mais complexas.

Termos importados do inglês como streaming, wi-fi e web se multiplicam no nosso vocabulário à medida que transformam nossas vidas e os processos que as compõem.

As profissões estão entre os setores da sociedade mais impactados por essa transformação radical. A cada novidade que aparece e modifica práticas de algum segmento de mercado, especula-se sobre quais delas vão desaparecer, quais vão se expandir e quais ainda hão de surgir. Também há aquelas que se renovam. E, sem dúvida, esse é o caso da tradução.

Ao contrário do que o tema parece sugerir, não se trata de um fenômeno novo. Como atividade humana, o trabalho do tradutor é afetado, desde sempre, pela tecnologia. A pesquisadora e tradutora Érika Stupiello (2015) lembra que o próprio conceito de tecnologia vai além da revolução digital que tomou conta da economia e do modo de vida dos últimos tempos.

Quaisquer práticas ou conhecimentos aplicáveis a uma técnica, desde que amparados em princípios científicos, podem ser vistos como inovações tecnológicas. E isso inclui todo tipo de suporte, digital ou “analógico”.

Da criação da escrita à invenção da imprensa e à publicação dos primeiros dicionários e enciclopédias, passando pelo mercantilismo, que ampliou o comércio marítimo e aproximou as diferentes regiões do mundo, a atividade tradutológica veio sendo adaptada às necessidades de cada época.

E, mais recentemente, a expansão da internet permitiu não só que dicionários e glossários, antes restritos ao papel, fossem digitalizados, como também que fossem criados programas de tradução automática (por exemplo, Google Translate e Linguee) e, principalmente, softwares de memórias de tradução, caso das CAT Tools, ferramentas on-line à disposição do tradutor para encontrar palavras e registrar soluções que já tinha encontrado.

Atividade multidisciplinar por essência, a tradução se insere nas mais diversas áreas de atuação. Por isso, selecionamos dois campos bastante presentes no dia a dia, a interpretação e a tradução de textos jurídicos, para mostrar, na prática, como a tecnologia pode ajudar o tradutor a realizar o próprio trabalho com mais eficiência e qualidade.

A tecnologia na interpretação

Sabemos que passamos por mudanças significativas com a introdução das ferramentas tecnológicas que se desenvolvem a cada dia e trabalham fortemente em favor da tradução. Essas também estendem-se a interpretação, que é beneficiada e muitas vezes passam até despercebidas no trabalho do intérprete no dia a dia, sobretudo na interpretação simultânea.

Hoje dispomos de computadores, ferramentas de busca e banco de dados digitais que podem ajudar nessa tarefa. Além disso, ainda podemos encontrar softwares capazes de aproximar do trabalho desse tamanha a efetividade no momento da interpretação. Por outro lado, pode provocar receio dos intérpretes quanto à inserção de toda esta tecnologia em sua rotina. Mas será que existe mesmo motivo para tal?

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Devemos ter em mente que essas tecnologias de apoio não substituem a intervenção humana, elas existem para serem trabalhadas juntamente com o tradutor intérprete, para melhorar, aperfeiçoar seu produto final. Um grande exemplo disso são as ferramentas que eram usadas anteriormente como os dicionários de papel a que estamos acostumados.

Eles nunca foram suficientes, porém ajudavam e certamente continuarão fazendo parte do cenário de trabalho dos intérpretes, mas vivemos num mundo onde a informação rápida se faz muito necessária, o que faz com que as versões eletrônicas assumam um lugar de destaque.

Tipos de interpretação

A interpretação é dividida em dois tipos, a consecutiva e a simultânea. A primeira baseia-se no que o intérprete ouve do orador e, logo após o fim da sua fala, ele traduz para outra língua.

Já na simultânea, o intérprete ouve o que é dito e “devolve”, ao mesmo tempo, o que está sendo falado para o outro idioma, o que requer mais preparo e mais esforço por parte do intérprete. E é nesse caso que a tecnologia pode atuar ao seu favor.

Na interpretação simultânea, o tradutor geralmente trabalha em cabines isoladas para que não tenha seu entendimento comprometido. Os intérpretes montam seus laptops para regular configurações e, por meio dos fones de ouvido com microfones, ele pode captar o que está acontecendo naquele dado evento e traduzir logo em seguida aos espectadores com boa qualidade.

Na cabine também encontramos botões e comandos para ajustes no áudio, o que pode influenciar bastante no processo da tradução. Por isso se faz necessário que a cabine seja moderna e atualizada para o sucesso do trabalho.

Segundo Olsen (2012), a tecnologia nos oferece várias oportunidades de desenvolvimento profissional, porém cabe a cada indivíduo aplicá-la de maneira inteligente. Entre diversos recursos que eles podem recorrer temos por exemplo:

→ Moodle: plataforma que oferece um sistema para criação de cursos online. Foi criada na Austrália. (MOODLE, 2009)

→ Audacity: software gratuito para editar e gravar áudios.

→ Black Box: software desenvolvido para criar exercícios para treinamento.

→ IRIS (Sistema de Informação de Pesquisas de Intérpretes): trata-se de um banco de dados com textos orais e escritos com as informações sobre os respectivos contextos.

→ Dicionários on-line: inúmeros disponíveis, com destaque para o Oxford Dictionary, que inclui pronúncia e gramática.

→ Banco de dados on-line: ferramenta linguística de busca que pode ser salva de acordo com as preferências do usuário.

E não param por aí. Hoje contamos com recursos dos mais diversos que não só podem como devem ser utilizados para nos aprimorarmos. Não dá para fechar os olhos diante dela, “senão ficaremos para trás”.

Ela não está livre de obstáculos assim como toda fase de transição, mas os que as utilizam têm certamente uma vantagem sobre os demais. Como Olsen (2012) alega: “Se tivermos medo da tecnologia e seu impacto em nossa profissão, nos tornaremos uma vítima dela. Se soubermos recebê-la sabiamente, vamos moldá-la para o nosso próprio benefício e para o benefício de nossos clientes”.

A tecnologia na tradução jurídica/juramentada

Devido à tecnologia e aos prazos mais curtos, os profissionais de tradução finalmente cederão às máquinas ao realizar atividades de tradução? Nesse caso, o trabalho dos tradutores estaria por um fim.

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Embora devamos perceber que hoje muito trabalho pode ser feito por meio da tradução automática, ainda existem inúmeros tipos de trabalho de tradução, e os personagens dos tradutores se tornarão a base do diálogo entre a língua e a cultura, como é o caso da tradução jurídica/juramentada.

Primeiramente, é importante salientar que, por ser um sistema de regulação social, a lei usa linguagem prescritiva, regras de comando e comportamento normativo para determinar o que é aceitável ou condenado na comunidade social em que está inserida.

Além disso, por ser uma ciência social, o direito é acompanhado por um enorme pacote cultural, que pode ser verificado pelo discurso e pela terminologia utilizada no texto legal a ser codificado, deste modo a linguagem do Direito, é considerada uma linguagem especializada.

Portanto, vale ressaltar as diferenças existentes entre um tradutor jurídico e um tradutor juramentado. Um tradutor jurídico atua na área jurídica e possui conhecimentos específicos na área, como, por exemplo, a legislação, mas seu trabalho não possui crenças públicas (por exemplo, contratos podem ser traduzidos por qualquer pessoa familiarizada com o assunto, a terminologia e o gênero tratado).

Enquanto que um tradutor juramentado é o profissional nomeado pelo órgão competente, a Junta Comercial de cada estado, através de um concurso público, para a realização de traduções oficiais e jurídicas que tenham valor de instituição pública no país e no exterior.

Como apontado em seu artigo, Bruna Macedo de Oliveira realizou uma entrevista com a tradutora María del Pilar Sacristán Martín, que fornece diversas informações acerca de seu trabalho, juntamente com as tecnologias usadas para suas traduções. Como ela havia explicado, nos primeiros dias de seu trabalho com a tradução, havia apenas máquinas de escrever, e logo mais máquinas de escrever elétricas e, posteriormente, máquinas de escrever elétricas com corretivo.

A próxima tecnologia que entrou em seu trabalho foi o computador, que possuía um editor de textos muito primitivo, e que acabou por eliminar essa tecnologia de uma vez. Depois, surgiu o sistema operacional Windows, o sistema de transferência de arquivos por telefone e, por fim, o sistema de tradução automática. Com o advento dessas novas tecnologias, os tradutores buscaram obter informações sobre elas na literatura existente, bem como em conversas com colegas e em sala de aula.

Quando questionada sobre a aplicação de ferramentas de tradução assistidas por computador (computer-assisted translation) em seu trabalho, a tradutora explicou que, quando começou a trabalhar na área, recebeu muitas traduções livres,de textos de mecânica, de automobilística e de marketing.

Paralelamente, fez algumas disciplinas optativas, como “Star Transit” e “Wordfast”, de forma a adaptá-las às suas necessidades, principalmente em traduções mais técnicas que aceitavam alguma automatização. Como a entrevistada se especializou em pesquisar mais textos jurídicos (principalmente documentos) e precisava tomar decisões muito específicas para cada caso, ela não utilizou essas ferramentas de tradução.

A tradutora também foi questionada se seria possível realizar seu trabalho sem recursos técnicos. Ela ressalta que, devido à época em que esses recursos não existiam, pessoalmente não faria jus ao uso dessas tecnologias para produzir seu trabalho. No entanto, ela destacou que a qualidade da tradução seria baixa, além disso, o trabalho de tradução exige que o tradutor tenha muito conhecimento pessoal e mobilize a própria memória.

Ela acrescentou que hoje em dia o conhecimento necessário para o tradutor está reduzido, porque hoje o profissional dispõe de muitos recursos que podem auxiliá-lo em seu trabalho, como o próprio Google. Em relação à capacidade dos tradutores em utilizar a tecnologia, María acredita que é absolutamente necessário saber utilizar as ferramentas e recursos disponíveis, e acrescenta que, seja qual for a sua área de atuação, todo profissional deve se esforçar para estar atualizado.

*Texto escrito por Artur Ferraz, Ana Júlia Maia e Felícia Alcântara para a disciplina de Recursos Tecnológicos da Pós-Graduação em Metodologia da Tradução (Língua Inglesa) da Faculdade Frassinetti do Recife (Fafire).

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Artur Ferraz

Jornalista, comunicador, recifense e sempre em busca da palavra certa.